Resumo |
A comovente literariedade de Clarice Lispector configura-se na Literatura Brasileira a partir de uma grande obra em prosa. Ao longo de um processo de escrita ficcional, a autora criou um encontro particular com o público, buscando a cumplicidade do leitor não apenas identificado com a sua ficção, mas também com os procedimentos literários que a singularizaram em nossas letras. A exemplo de sua obra para adultos, seus livros infantis atingem dimensões ontológicas, recorrendo a questões de identidade entre o humano e o animal. Publicado em 1968, A mulher que matou os peixes, segundo livro infantil da escritora, destaca-se por uma série de narrativas encaixadas, em que diferentes histórias, ao lado da história principal, vão tecendo o enredo propriamente dito. Trata-se de comentários, reflexões e digressões surgidas em detrimento dos fatos narrados, dando lugar ao deslocamento da narração para uma ilha em que se percebe a reunião de bichos familiares. Assim, a tentativa de conquistar o leitor se faz por meio de outras histórias, adiando o momento da confissão do crime, ou seja, a morte dos peixes e o pedido de perdão. Ao modo de uma autobiografia zoológica, os microrrelatos apresentam a convivência com diversos animais, em situações de grande lirismo e identificação: Essa mulher que matou os peixes infelizmente sou eu (LISPECTOR, 1983, p. 7). Desfilam aí personagens como a miquinha Lisete, a ratazana Maria de Fátima, os cães Dilermando e Max, entre outros. A narradora assume diferentes posições frente aos bichos, em depoimentos executados em grande afeto, fazendo com que haja no texto uma espécie de harmonia entre as esferas humana e animal. Desse modo, a ficcionista reúne os animais em intrigantes imagens líricas, de forma tal a obter a liberdade absoluta da linguagem, instaurando o movimento do sujeito confrontado no campo das identidades, questão muito cara à obra clariceana. Uma leitura nessa direção tem como embasamento ensaios críticos que examinam a produção de Clarice Lispector e a técnica narrativa do encaixe. Para tanto, recorremos a instrumentais teóricos que iluminam o tema, tais como as teorizações apresentadas por Tzvetan Todorov, Lucien Dallenbach, Giovanni Battista Tomassini, Jean-Yves Tadié, entre outros. Investigar o movimento da escritura clariceana, com base nos efeitos do procedimento novelístico do encaixe e suas implicações líricas em A mulher que matou os peixes é o objetivo maior da pesquisa.
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