Resumo |
Com o desenvolvimento dos estudos da Nova História, tornou-se possível dar voz e vez às fontes documentais de foro íntimo/privado, que proporcionaram abordagens diferenciadas daquelas provenientes dos registros escritos que ocuparam, durante séculos, lugar central na história dita oficial. Tais registros saíram das mãos de pessoas desconhecidas, pertencentes às chamadas classes inferiores. Segundo Chartier (1999, p. 132), há múltiplas práticas de leitura que não são necessariamente práticas cultas, ou profissionais, ou legítimas. Já a escrita para esse autor, sempre procurou satisfazer as necessidades pessoais do sujeito, sendo considerada símbolo de poder e de distinção. Coerentes com essa perspectiva de estudo e articulando-a ao conceito de letramento, entendido como o uso efetivamente útil da leitura e da escrita na vida em sociedade (Kleiman, 2008), delineamos nosso objetivo, que consiste em fazer algumas considerações sobre o gênero diário, notadamente sobre as práticas de leitura e de escrita registradas em um diário íntimo, de autoria feminina, datado de 1946. Para atingirmos o objetivo, desvelaremos, através de investigações pautadas nos comentários, registrados em seu diário, acerca dos filmes a que assistiu e dos romances que leu, as principais práticas de leitura e de escrita dessa mulher baiana e a sua preocupação em escrever, quase todos os dias, os fatos e acontecimentos de sua vida. Vale destacar que, ao longo de 156 fólios, a diarista D. M. P. F. registra e comenta, de modo bastante sucinto, cada livro que leu e cada filme a que assistiu. Nesse âmbito, a escrita feminina de cunho privado, no referido diário, suscita particular atenção pelo que apresenta/transporta sobre o quadro de letramento da diarista. A análise desse gênero, e em particular do nosso corpus, pode funcionar, sobretudo numa perspectiva teórico-metodológica interdisciplinar, como uma espécie de radiografia das práticas de leitura e de escrita por parte do público feminino no Brasil do final da primeira metade do século XX, além de explicitar as singularidades nas práticas de leitura e de escrita de D. M. P. F. Tomam-se aqui como suporte teórico, as reflexões desenvolvidas por Burke (2008, 2010, 2011), Sharpe (1992), Chartier (1999, 2007, 2011), Gómez (2001a, 2001b, 2003), Cunha (2009), Kleiman (2008), Rojo (2011) e Pesavento (2008), no que se refere às discussões sobre a Nova História, a História da Leitura e da Escrita, o Letramento e as práticas de leitura e de escrita. |