Resumo |
Gilberto Freyre, autor da famosa trilogia Casa-grande & senzala (1933), Sobrados e mucambos (1936) e Ordem e progresso (1957), foi um prolífico escritor de cartas, e não seria precipitado dizer que talvez tenha sido um dos principais epistológrafos do nosso modernismo. O trabalho de pesquisa que venho realizando com base em sua correspondência inédita demostra que é indispensável não somente a publicação do vasto diálogo epistolar entre o ensaísta e seus correspondentes, mas também um estudo de aspectos que dimensionem o alcance dos problemas que a escrita de cartas pelo autor propõe, tanto de uma perspectiva estética e literária quanto histórica, social e cultural. Pretendo, nesta comunicação, lançar alguns olhares sobre a epistolografia de Freyre, observando como ele estrutura discursos multifacetados diante de seus principais correspondentes, sobretudo o diplomata e historiador Manuel de Oliveira Lima (1867-1928), e os escritores Manuel Bandeira (1886-1968) e José Lins do Rego (1901-1957). Nesse sentido, seria importante considerar aspectos performáticos dessa escrita em processo, com uma peculiar mise-en-scène que desafia não só o pesquisador o qual se lança no trabalho de organização desses conjuntos, diante do dilema de se construir uma ampla ou mais tênue rede de ambientação por meio de notas exegéticas [sobre os problemas da anotação, cf. sobretudo Colette Becker, em Les discours descort: lannotation et ses problèmes (à propos de la correspondance de Zola). In: FRANÇON, A.; GOYARD, C. (Org.). Les correspondences inédites. Paris: Economica, 1984. Colloque sur les correspondances inédites, Paris, 9-10 juin 1983]. Mas também o intérprete da correspondência deve notar que qualquer aproximação será caracterizada por inúmeras mediações, e uma rede multidisciplinar deve ser buscada de modo a se construir criticamente uma imagem complexa (e espectral) do autor. Para exemplificar esses movimentos vários, se, por um lado, o diálogo de Freyre, um ensaísta, com Bandeira, um poeta, e José Lins, um romancista e todos, notavelmente, representativos cronistas do nosso modernismo , é abalizado por questões eminentemente modernas, trazer a esse rol de correspondentes Manuel de Oliveira Lima, memorialista e historiador central na virada do século XIX para o século XX, pode lançar nova luz sobre formas e temas novecentistas que são retrabalhados por Freyre nos anos cruciais de modernização do país, sempre abordados do ponto de vista da contradição e do impasse características manifestas em sua escrita epistolar, assim como na imagem de Brasil que emerge de suas análises. |