Resumo |
Esta comunicação tem por objetivo discutir o papel do (não) engajamento do tradutor na difusão da literatura afro-americana no Brasil, com foco nas traduções da obra Native Son (Filho Nativo), de Richard Wright, realizadas por Monteiro Lobato (1944), Jusmar Gomes (1987) e Aurora Maria Soares Neiva (1995). A pesquisa realizada fundamenta-se no princípio de que a tradução tem sido cada vez mais compreendida como um evento singular de interpretação que se realiza na diferença entre línguas e culturas e que somente se concretiza em virtude da transformação regulada e promovida por sujeitos/tradutores circunscritos pelas condições históricas e ideológicas de seu tempo. Nesse quadro teórico, suscitam-se duas hipóteses de leitura sobre a recepção da literatura afro-americana no Brasil. Em primeiro lugar, sabe-se que a origem étnica de um autor tende a ter importância secundária nos meios literários e críticos predominantes no Brasil. Supõe-se, assim, que a obra literária deva ser valorizada não pela sua exterioridade (seja ela social ou mesmo racial), mas pelos elementos formais internos à mesma, os quais se expressariam, sobretudo, pelo trabalho com a linguagem ou por sua vinculação a um estatuto de universalidade estética. Em segundo lugar, nota-se a possível existência de outra posição discursiva no Brasil, que tem sido precípua para a emergência da literatura afrodescendente, na medida em que se identifica com o engajamento político voltado para a consciência racial na construção de uma estética literária particular. Em vista dessas duas posições discursivas busca-se refletir em que medida a literatura afro-americana, em tradução, poderia se aproximar de uma dimensão linguística mais formal, não necessariamente engajada com uma perspectiva crítica da sociedade brasileira. Por outro lado, é possível que, no projeto tradutório, a literatura afro-americana seja interpretada como expressão literária de resistência e engajamento que serviria como um modelo de inspiração para a crítica social suscitada por movimentos afro-brasileiros. A comunicação pretende discutir de que modo essas duas tendências discursivas se relacionam com as referidas traduções, e em que medida pode-se considerar a proposta de traduzir o Black English, socioleto literário presente na obra, por variantes linguísticas do português não padrão, como um gesto de engajamento político do tradutor que busca responder não somente à sua interpretação das características sociolinguísticas do texto, mas também às contradições e exclusões socioeconômicas no Brasil. |