Resumo |
Afirma-se no Curso de Linguística Geral de Saussure que, para a Linguística, o estudo dos sistemas de escrita não possui qualquer importância para o estudo da língua. E, mais do que isso, que qualquer importância que se tenha atribuído até hoje à escrita é imerecida, e fruto de uma confusão dos estudiosos entre língua e ortografia. No entanto, para não falar nos efeitos de sentido criados pelas diversas (tipo)grafias empregadas em abundância nos dias de hoje, existem línguas cuja escrita é absolutamente significativa, e pode construir significados impossíveis na fala, como os hieróglifos egípcios ou a escrita ideográfica chinesa. Como então excluir a escrita dos estudos dessas línguas? Como atribuir à escrita uma importância meramente representativa, se em determinadas línguas é ela constituidora de significados por si só?
Estas questões foram colocadas por alguns linguistas e filósofos ao longo do século XX. Abordaremos aqui as ideias de um deles, Jacques Anis, linguista que se dedicou ao estudo de fenômenos da escrita e propôs a construção do que ele chamou uma grafemática autônoma; ou seja, a construção de uma teoria que fosse capaz de descrever fenômenos restritos à dimensão da escrita da língua, dentro do campo de investigação da linguística propriamente dita (cf. 1983), e sem que fosse necessário obrigatoriamente referir-se ao plano fônico.
Infelizmente, Anis não teve tempo de reunir suas proposições em um livro, e as ideias que ele deixou para a formulação de uma grafemática estão esparsas em poucos artigos. O artigo em que propõe a grafemática autônoma (Pour une graphématique autonome) é bastante peculiar e cheio de hesitações, mas nos dá as bases para pensarmos sobre o assunto. O próprio autor alerta já de início que seu artigo pode parecer dogmático ou pretencioso, como de fato é trabalhar este tema, que vai de encontro ao que havia sido já estabelecido pela tradição saussuriana.
Nesta ocasião, analisaremos as proposições desse autor a fim de refletir sobre a possibilidade de construção de uma grafemática autônoma, inserida no seio epistemológico da linguística estrutural. Estabeleceremos hipóteses para a definição de níveis de análise na descrição da língua escrita, concebendo como unidade mínima o grafema e decompondo-o em seus traços segmentais e suprassegmentais. |