Resumo |
Quadros afásicos tem como principal causa os acidentes vasculares cerebrais (AVC). Seqüelas advindas de AVCs dependem especialmente da extensão da lesão e da área atingida, sendo que uma das seqüelas mais comumente encontradas é a afasia, que se caracteriza por alterações de linguagem oral e escrita que podem ser acompanhadas por alterações físico-motoras e cognitivas (Coudry, 1988; Quagliato e Viana, 2002; Mourão e Fedosse, 2009).
O escritor português José Cardoso Pires (1998, p. 9) narra sua própria experiência com uma afasia temporária decorrente de um AVC isquêmico : ...os fenômenos que [minha história clínica] descreve são mais facilmente apreensíveis através dos seus instrumentos narrativos do que através de um relatório minucioso de um qualquer neuropsicólogo
O objetivo é analisar as narrativas orais de sujeitos afásicos e as revelações delas no que diz respeito ao processo de (des)construção-(re)construção da identidade, processo vivido por eles após o acometimento que desconstruiu a linguagem através da qual eles foram constituídos, ao longo da vida como sujeitos (não afásicos). Nos relatos apresentados pelos sujeitos serão verificadas as formas pelas quais eles se auto-referenciam no que diz respeito à essa nova posição no mundo, configurada pela perda de si mesmo que decorre da perda da linguagem.
Em um centro de atendimento de afásicos, vinculado ao Sistema Único de Saúde, foram coletadas histórias de vida de 30 sujeitos fluentes (e, portanto, com condições linguísticas de narrar suas próprias histórias) na faixa de 26 a 74 anos, de ambos os sexos.
Trata-se de pesquisa qualitativa de orientação sócio-histórica, que direciona a análise para a inter-relação do funcionamento mental humano com os contextos sociais, permitindo a compreensão de uma realidade a partir de interpretações dos relatos dos sujeitos e das manifestações da subjetividade deles. O estudo considera que os sujeitos estudados, embora únicos, estão, sempre, inseridos em determinada sociedade e em determinado momento sócio-histórico, dos quais eles são representantes (Freitas, 2003; Minayo, 2004; Pino, 2005).
. Os resultados obtidos mostraram que as seqüelas do AVC colocam o afásico diante da realidade do novo corpo e do novo sujeito-que-agora-(não)-fala, com impactos profundos sobre as formas pelas quais ele, dessa forma, se posiciona no (novo) mundo, o que demanda, da sociedade contemporânea, mecanismos de acolhimento e de resgate da dignidade de tais sujeitos. São apresentadas reflexões a respeito da condição de sujeito afásico bem como da falta de políticas públicas voltadas a esse segmento crescente da população no Brasil.
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