Resumo |
No percurso das chamadas ciências humanas, a complexidade sempre foi um pomo de ouro, causador de confusão e desentendimento, seja por causa dos deslocamentos dos pontos de vista, seja pela fragilidade dos métodos empregados em sua análise. Além disso, faltava terminologia adequada. Em uma tentativa de iluminar tal questão, Zilberberg (2011) propôs investigar a complexidade de constituição, conhecida na semiótica greimasiana como termo complexo e termo neutro, a partir de uma correlação conversa entre os eixos da intensidade e da extensidade. Essa orientação teórica, incorporada em nosso estudo, proporcionou uma nova perspectiva para investigarmos o conceito bakhtiniano de polifonia. Segundo a perspectiva bakhtiniana, o termo polifonia intitula uma arquitetônica peculiar na configuração romanesca: uma multiplicidade de vozes imiscíveis, independentes e equipolentes. Desse modo, na análise de uma obra reconhecidamente polifônica pelo filósofo da linguagem russo, Crime e castigo, de Fiódor Dostoiévski, permitiu-nos depreender que os personagens do enunciado da trama romanesco, em especial o protagonista Raskólnikov, eram dados na ordem do inacabamento, uma vez que não habilitavam uma única orientação fórica. Com efeito, o termo complexo afirma duas forças opostas, o que corrobora a posição discursiva de, por exemplo, Raskólnikov, visto que este ator soma, paradoxalmente, duas forças contrárias: de um lado, uma racionalidade excepcional (extensidade) e, de outro, uma passionalidade exacerbada (intensidade), que, nos trechos altamente polifônicos, estabilizam o processo de triagem e instauram um potente processo de mistura, o qual causa grande impacto na narrativa. Portanto, explícito o nosso interesse e sua pertinência. Nossa pesquisa busca elucidar como e por que os atores do enunciado em relação com os mecanismos da enunciação são dados na ordem do inacabamento e, com isso, instauram um efeito de sentido de polifonia. Para tanto, servimo-nos dos recursos teóricos da semiótica discursiva, proposta por Greimas e Courtés (2008), e dos desdobramentos tensivos de Zilberberg (2011) e Fontanille (2008). A partir da teoria semiótica, procurando nas tessituras discursivas de Crime e castigo responder como se arquiteta o percurso gerativo de sentido do efeito de polifonia, tendo como hipótese que os heróis polifônicos são termos complexos. Como resultados parciais desse estudo, temos a constatação da presença de trechos polifônicos no romance supracitado e, a partir desses trechos, observamos uma incompletude no narrado, uma heterogeneidade exacerbada, bem como um dialogismo acentuado, com relações de polêmica em maior recorrência, além de programas narrativos complexos e sincretismo de papéis actanciais. Esses elementos corroboram para o desvelo do efeito de polifonia, e ainda, ratificam o diálogo entre a teoria bakhtiniana e a semiótica. Esse panorama interdisciplinar, ainda, aponta para um horizonte de encontro entre essas duas abordagens, visto que o instrumental teórico e metodológico da semiótica emparelhado com a postura intersubjetiva e, portanto, dialógica do prisma bakhtiniano permitiu compreender o romance polifônico como universos abertos, dinâmicos e inacabados. Assim, o conceito bakhtiniano de polifonia não mais surge como termo abstrato ou relativizado, mas antes, como efeito de sentido que não escapa de um campo de presença, o qual pode ser apreendido apesar de sua mobilidade e complexidade.
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