Resumo |
Longhin-Thomazi (2004; 2005) reúne os usos de ainda em dois grupos: temporal e argumentativo. Dentro do grupo temporal, o ainda pode cumprir duas funções: (i) marcar tempo continuativo, assinalando continuidade ou persistência do estado descrito, e (ii) marcar tempo futuro, ao referir a um fato que pode ocorrer posteriormente. Quanto aos usos argumentativos, o ainda pode marcar (i) inclusão, funcionando como um articulador textual e, semelhante ao também, acrescentando novas informações ao discurso, (ii) intensificação, enfatizando uma ideia expressa por outro advérbio, e (iii) concessão, articulando fatos ou situações de algum modo incompatíveis.
Ao reconstruir a história dos usos de ainda, a autora corrobora a ideia de mudança semântica, já que o item ainda segue uma escala crescente de pragmatização de significado, isto é, de advérbio temporal, a articulador textual e, por fim, a conjunção concessiva. Segundo Longhin-Thomazi (2004; 2005), os usos inclusivo e intensificador são uma etapa de subjetivização por envolver a codificação de expectativas do falante; enquanto o terceiro uso argumentativo, especificamente a perífrase concessiva ainda que, é uma etapa de intersubjetivização.
Partindo dessas considerações, este trabalho procura discutir a multifuncionalidade do item ainda no português brasileiro à luz dos princípios teórico-metodológicos da Gramática Discursivo-Funcional (GDF; HENGEVELD; MACKENZIE, 2008). Tomando dados do português hodierno extraídos do Córpus do português (cf. DAVIES; FERREIRA, 2006), objetiva-se determinar o grau de gramaticalidade do item ainda a depender de seu uso, de forma que se consiga traçar uma possível rota de gramaticalização de ainda (advérbio temporal) a ainda que (conjunção concessiva).
A GDF, enquanto teoria gramatical, oferece um modelo de descrição que permite dar conta dos aspectos formais envolvidos nas mudanças que atingem o item ainda e, além disso, na criação da perífrase conjuncional concessiva ainda que. Baseado nos estudos de Longhin-Thomazi (2004; 2005), as mudanças que afetam o item ainda podem ser localizadas, essencialmente, em dois níveis da GDF: o Representacional e o Morfossintático. No Nível Representacional, a mudança metafórica por que passa o ainda pode ser visualizada nas alterações das camadas de atuação do item, que, em seu uso temporal, atua na camada do Estado de Coisas, e, em seu uso concessivo, atua na camada do Conteúdo Proposicional. Já no Nível Morfossintático, observa-se a alteração de traços morfossintáticos por que passa o item na mudança de advérbio a conjunção, como a fixação de uma ordem na sentença e a integração do advérbio à partícula que.
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