Resumo |
O presente artigo parte das discussões entabuladas na arqueogenalogia foucauldiana acerca do dispositivo sexual e das implicações para a produção das formas de subjetivação e tem como objetivo traçar uma análise do discurso do jornal Lampião da Esquina, primeira publicação brasileira auto-designada gay, de ampla circulação nos centros urbanos e que se caracterizava pela produção de discursos políticos e identitários. Para a análise, tomou-se como corpus as edições compreendidas entre abril de 1978 e março de 1979, exatamente o primeiro ano do periódico. O estudo defende a hipótese da produção de um deslocamento problemático das categorizações sobre a homossexualidade masculina e os sujeitos que dela tomam parte e, para isso, descreve, na arquitetura discursiva do jornal surgido nos finais da década de setenta do século XX, a assunção de um discurso de positivação das práticas homossexuais e homoeróticas que, no entanto, acaba por escandir uma normalidade masculina e uma "anormalidade" efeminada, segundo uma hierarquia entre centro e periferia, erudição urbana e arcaísmo atávico, presente em discursos da mesma época, como os da antropologia gay então emergente no Brasil e o da literatura do desbunde. Assim, no jornal, haveria a permanência de uma grade masculina que engendraria sua diferença em relação às diversas homossexualidades masculinas, produzindo um discurso negativo relacionado à passividade e à efeminização. Para os fins da análise, inicialmente apresenta-se uma discursividade vanguardista que tem lugar no Brasil da década de setenta, pautada nos valores da igualdade e da simetria, cujo interdiscurso é o antropológico-literário. Adiante, descreve-se a cisão discursiva que o Lampião da Esquina promove em relação às publicações homossexuais baseadas em critérios considerados ultrapassados e hierarquizantes. Finalmente, faz-se notar que, no interior das estratégias discursivas de transformação e assunção positiva de uma nova homossexualidade, subsiste a escansão entre uma normalidade masculina e uma "anormalidade" efeminada, o que seria fundamental para a produção das diversas homossexualidades e seus regimes de hierarquização ainda presentes na contemporaneidade.
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