Resumo |
O presente trabalho parte da concepção de que o fenômeno religioso se estrutura por meio da linguagem, e de que sua forma de geração de sentido tem sua manifestação privilegiadamente acessível através de ferramentas teóricas que se relacionam diretamente com textos (compreendidos em seu sentido amplo, como mythos revelado em suas multíplices formas: narrativas escritas, orais, icônicas, imagéticas, etc.), ou seja, os subsídios teóricos oferecidos pelas ciências da linguagem. Partimos dos referidos pressupostos, tendo como objeto para a presente comunicação um texto sagrado, uma perícope do Evangelho conforme Marcos (5.1-20), a saber, a narrativa do exorcismo do endemoninhado gadareno em sua língua original, a partir de seu testemunho material contido no Codex Vaticanus. Os procedimentos metodológicos a serem tomados têm relação direta com a anunciada concepção do fenômeno religioso e com o nosso objeto, pois é através das disciplinas das ciências da linguagem que realizamos a decodificação da trama de signos envolvida no referido mythos. Nossa proposta se baseia em explorar o texto, tanto em sua estrutura argumentativa, quanto em sua estrutura prosaica; isto é, por um lado, analisar elementos e artifícios persuasivos presentes na composição formal do texto através dos dados elencados por Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca no Tratado da Argumentação que se insere na tradição retórica; e, por outro lado, analisar as características cronotópicas presentes no mesmo texto a partir da teoria do romance de Mikhail Bakhtin que se presta à análise da poética histórica, bem diferente do método de Perelman, mas não em contradição, uma vez que ambos buscam diferentes concepções estruturais no discurso, pois enquanto o primeiro privilegia o discurso persuasivo, o outro privilegia os gêneros prosaicos, formadores do romance. No entanto, também há consonância entre ambos, a qual se pode notar através da ruptura com a tradição iluminista por meio da oposição a, pelo menos, três proposições: em primeiro lugar, a concepção monológica da verdade única e absoluta; em segundo lugar está a busca positiva dessa verdade; e em terceiro lugar, a idealização abstrata do interlocutor. Portanto, estabelecemos o referido duplo ferramental teórico com a intenção de valorizar tanto a argumentação religiosa quanto o discurso prosaico como componentes da dupla entonação geradora de sentido no referido texto, para alcançar tais efeitos concentrar-nos-emos primeiramente nos enunciados e, logo após, em sua conjuntura que o constitui como narrativa coesa, para que, por fim, realizemos a análise argumentativa e cronotópica. |