Resumo |
Neste trabalho, tomamos como objeto de estudo os verbos de criação do português brasileiro. Esses verbos são normalmente descritos como verbos transitivos que denotam a criação de um objeto a partir de uma ação. Exemplos clássicos são 'construir' e 'escrever'. Nosso objetivo é apresentar uma descrição desses verbos e propor para eles uma representação lexical. Para isso, adotamos como perspectiva teórica a proposta de análise semântica conhecida como decomposição de predicados. Para propor para esses verbos uma representação lexical, partimos de algumas de suas características. Os verbos de criação denotam accomplishments. Por isso, vários autores utilizam o predicado CAUSE na representação desses verbos. Também adotaremos essa análise. Outro elemento recorrente em análises dos verbos de criação é a existência do objeto, representada por predicados como EXIST. Entretanto, não adotamos essa análise, pois em uma sentença como 'o menino escreveu o seu nome' não podemos dizer que o nome do menino passa a existir através da ação de escrever. Para propor quais são os outros elementos que compõem o sentido desses verbos, utilizamos dois testes: a denotação de nomes morfologicamente relacionados aos verbos e a construção de paráfrases. Os sintagmas nominais relacionados a sentenças construídas com verbos de criação (a escrita do poema e a construção da casa) denotam eventos e podemos construir as seguintes sentenças: o João realizou a escrita da carta e o pedreiro realizou a construção da casa. Considerando esses fatos, concluímos que a raiz desses verbos deve ser da categoria ontológica EVENT. Propomos, assim, a seguinte representação para os verbos de criação: [[X ACT] CAUSE [EVENT OF Y]]. Os verbos escrever e construir serão representados como: escrever: [[X ACT] CAUSE [ESCRITA OF Y]] e construir: [[X ACT] CAUSE [CONSTRUÇÃO OF Y]]. Na estrutura, CAUSE é o predicado que estabelece uma relação causal entre os subeventos. O segundo subevento é formado pela raiz, pela variável Y e pelo predicado OF que os relaciona. Finalmente, propomos uma análise para uma aparente alternância de transitividade que ocorre com alguns verbos de criação: o João escreveu uma carta/ o João escrevia e o João construiu uma casa/ *o João construía. Com base em algumas evidências (como o sintagma nominal relacionado ao verbo na forma intransitiva não denotar um evento) propomos que esse fenômeno não se trata de uma alternância, mas é resultado de um tipo de processo de polissemia que consiste na classificação de uma raiz em duas categorias ontológicas distintas. |