Resumo |
A proposta deste trabalho é analisar os casos de variação gráfica entre vogais médias e altas, em posição pretônica, presentes no Cancioneiro Geral (1516) de Garcia de Resende, com o intuito de investigar a ocorrência de variação fonética, envolvendo alçamento vocálico, no português do século XV e início do século XVI. No tangente ao português brasileiro atual, estudos variacionistas, desenvolvidos em diversas regiões do país, revelam que é comum a vogal média pretônica realizar-se como alta, em determinados contextos fonético-fonológicos adjacentes. Os dados desses estudos sugerem, em geral, que o alçamento da vogal média pretônica, no Brasil, está associado a processos fonéticos de natureza assimilatória, tais como a harmonia vocálica, por exemplo. No que se refere ao português europeu, Mateus e dAndrade (2000) mostram que a elevação da vogal média pretônica é uma regra geral, que se aplica a todos os contextos (com algumas poucas exceções). Para Marquilhas (2003), esse quadro atual português representa a generalização de uma regra que, inicialmente, era restrita a contextos fonético-fonológicos específicos, tal como ocorre no Brasil. A autora considera, pois, que o caso brasileiro mantém uma fonologia que era a de Portugal no tempo das navegações. Diante dessa hipótese, nosso objetivo, no presente trabalho, é investigar o alçamento da vogal pretônica no português antigo, a fim de comparar a aplicação desse processo nos diferentes períodos (e variedades) da língua, buscando dados que nos permitam confirmar (ou não) a proposta de Marquilhas (2003). Como a criação de uma ortografia padrão é relativamente recente, na história da língua portuguesa, são bastante frequentes os casos de variação gráfica nos antigos documentos escritos em português. A metodologia empregada neste estudo baseia-se, portanto, no mapeamento de todas as variações gráficas entre e , e entre e , presentes no Cancioneiro Geral (edição de Dias, 1990). É importante ressaltar que, ao buscar, no corpus considerado, informações sobre os sons da época, não partimos da pressuposição ingênua de que dados de escrita são mera transcrição da fala. Por outro lado, acreditamos que a falta de normatização ortográfica oferecia condições favoráveis para que elementos da fala fossem reproduzidos na escrita. Levando-se em consideração o fato de que a Fonologia de Geometria de Traços, de Clements e Hume (1995), consegue explicar satisfatoriamente, de um modo geral, o alçamento de vogal pretônica decorrente do espraiamento de traços entre segmentos adjacentes, adotamos esse modelo fonológico não-linear para analisar os dados deste trabalho. |