Resumo |
Escritor de atividade intensa durante toda a vida, Marques Rebelo foi grande apreciador da cidade e da vida urbana, temas que percorrem de ponta a ponta toda a sua produção. Embora seja à cena carioca que mais se dedique, é redutor vê-lo apenas como um leitor do Rio, o que facilmente cai por terra com a leitura de Cenas da vida brasileira, coletânea de crônicas dedicadas a diversas cidades brasileiras, espécie de apanhado do país de norte a sul. Nessa obra estão desde as cidadezinhas mais distantes de grandes centros como grandes capitais como Rio, São Paulo e Belo Horizonte, por exemplo. Se Cenas da vida brasileira coloca em xeque a exclusividade do interesse de Marques Rebelo pelo Rio de Janeiro, não é possível negar a prioridade dada pelo autor ao retrato da vida urbana carioca, em grande parte por aí concentrar-se parcela significativa de sua experiência pessoal e profissional, já que por longos anos viveu no local. Das várias possibilidades de posicionamento do escritor frente à cidade, destaca-se uma atitude que ora se expressa no desencanto acerca do mundo que observa e representa, ora na afetividade diante da paisagem e da cena urbanas, não raro salpicada de nostalgia. Essa postura ao mesmo tempo desencantada e afetiva está presente de forma bastante expressiva em várias crônicas sobre o Rio escritas por Marques Rebelo durante as décadas de 1960 e 1970 e que compõem uma espécie de suíte carioca, em analogia às suítes 1 e 2 de Cenas da vida brasileira. Para o presente trabalho, interessa-nos a abordagem de algumas crônicas de Marques Rebelo sobre o Rio, como Céu no chão, Fúria urbanística, Lapa, São Cristovão e Cosme Velho, reunidas por Renato Cordeiro Gomes na coletânea intitulada Marques Rebelo. O intuito da análise é apontar para o movimento pendular, entre o desencanto e o afeto, que sustenta as representações do Rio feitas pelo autor nas crônicas selecionadas, movimento esse que revela a complexidade da percepção da cidade e da vida urbana, bem como para uma atitude de forte colorido romântico, seja na crítica às transformações provocadas no cenário da cidade e na vida do homem pela dinâmica do crescimento incontido, da fúria urbanística, a destruir o passado e a memória desse passado, seja na valorização e desejo de uma vida mais livre, harmônica e solidária, que mostra estar fatalmente em vias de extinção na cidade, sobrevivendo apenas na imaginação. |