Resumo |
Os memoriais acadêmicos são produzidos na situação de um concurso, o que faz com tenham uma finalidade singular: mostrar que professor-pesquisador tem as competências necessárias para que seja sancionado de forma positiva pela banca. Tendo isso em vista, propomos aqui um estudo do éthos do enunciador dos memoriais acadêmicos produzidos na Faculdade de Letras e no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Tal estudo permite estabelecer dois modelos de memorial articulados a décadas definidas (modelo 1: década de 70 para a Faculdade de Letras e décadas de 70 e 80 para o Instituto de Biociências; modelo 2: décadas de 80, 90 e 2000 para a Faculdade de Letras e décadas de 90 e 2000 para o Instituto de Biociências). Há dois aspectos que merecem destaque no que diz respeito às diferenças encontradas entre os dois modelos. O primeiro é o fortalecimento do efeito de singularidade do éthos do modelo 2. Ao compararmos os éthe dos textos do modelo 1, encontramos uma grande semelhança em sua configuração, o que indica que as coerções genéricas se avolumam em relação ao estilo autoral. É diferente do que ocorre com os memoriais do modelo 2. O exame de diversos textos desse segundo modelo revela uma diferenciação maior entre os éthe depreendidos. Assim, o efeito de individuação, de mostrar-se diferente dos demais, parece algo desejável para que o enunciador seja sancionado de forma positiva nesse novo modelo de memorial acadêmico. O segundo aspecto diz respeito a uma dimensão do prazer que aparece como exigência do modelo 2 e que não estava presente ou tão presente no modelo anterior. A imagem do enunciador remete a um sujeito que sente o mundo representado, ou seja, o passado emergente na linguagem. Guiado não apenas por um dever, como prevalece no primeiro modelo, mas também pelo querer, constrói-se como alguém cuja relação com o trabalho, com a vida profissional, é fonte de prazer. Essas diferenças entre os dois modelos de memorial sugerem que houve mudanças na vida acadêmica, no que é ser professor-pesquisador. A inovação, que nos textos do modelo 1 aparece principalmente no narrado, passa, no modelo 2, a participar da construção do simulacro do professor-pesquisador, que precisa mostrar sua singularidade no meio acadêmico. Os prazeres individuais (querer) começam a ganhar quase o mesmo destaque dos projetos coletivos (dever). Logo, reconhecemos no discurso acadêmico algumas características que parecem ser próprias do nosso tempo. |