Resumo |
A prática cotidiana da escrita na universidade decorre de uma solicitação docente que, muitas vezes, leva à mera produção de textos para satisfazer as exigências avaliativas em cada curso. De modo geral, mesmo nos cursos de Letras, a qualidade dos textos produzidos para atender a essas solicitações provoca reclamações com relação aos problemas de concordância, coerência, coesão, pontuação, aos tropeços na gramática e à estética do texto, que, geralmente, não apresenta marcas de singularidade com relação ao que foi lido. Isso tem feito surgir na universidade uma escrita burocrática, uma vez que é apenas organização de um já dito e, por isso, o aluno não vê a necessidade de que sua ação vá além de reproduzir o que imagina ser as partes mais importantes do que foi lido. Diante disso, neste trabalho, o objetivo será defender que a atividade de pesquisa, porque se realiza por meio de uma experiência no trabalho com a linguagem e o conhecimento, permite a constituição de autoria no trabalho com a escrita. Para realizar essa discussão, tomarei com base as concepções de sujeito e linguagem defendidos por Bakhtin (1929), a concepção de experiência defendida por Larrosa (2004) e Ponzio (2010) e a de autoria baseada nas concepções de práticas cotidianas de Certeau (1999) e Possenti (2002). A autoria pressupõe singularidade e também a noção de que a produção escrita envolve um trabalho com e sobre a palavra do outro. Autoria será interpretada, segundo Possenti (2002), como se tratando tanto de singularidade quanto de tomada de posição (p. 106) no exercício de apossar-se dos conhecimentos e torná-los meios, ferramentas de trabalho, de construção de uma escrita própria, resultante da um saber advindo do trabalho de interpretação e construção de novos sentidos. Por essa perspectiva, o trabalho com a linguagem que leva a constituição da autoria pressupõe uma disposição para a escuta. Colocar-se em estado de escuta, dar tempo para a reflexão, trabalhar com e sobre a linguagem significa dar tempo a si e ao outro. Segundo Ponzio (2010), esse tempo não é nem o produtivo, nem o tempo relaxante, livre e não compromissado com nada, tal como concebido pelas relações mercadológicas, mas é um gesto de pôr-se em estado de reflexão, dispor-se a dialogar com a alteridade. Esse estado de reflexão e de diálogo pode ser constituído por meio da pesquisa.
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