Resumo |
Vivemos nas últimas décadas, em relação ao discurso pedagógico, que tem como locus institucional a Escola, impasses, dilemas, paradoxos, conflitos: movimento das contradições, que determinam o processo mais amplo da escolarização no Brasil. A Escola vem sendo, cada vez, mais cobrada pelo seu descompasso em relação às demandas da sociedade, aos avanços das tecnologias de linguagem que produzem novas práticas de leitura e de escrita; em relação à qualidade do ensino que produz. Observa-se, contudo, fora dos muros escolares, uma pedagogização da vida em sociedade através da fala do especialista, do cientista, que coloca, pelo modo como circula, o cidadão na posição de eterno aprendiz. Esse processo de escolarização extensivo vem adotando, na sociedade brasileira, com frequência, métodos e técnicas, bem como organização e funcionamentos consagrados pelo que se chama a forma escolar, caucionados pela Ciência. No momento, então, em que o saber escolar perde credibilidade pela alegada defasagem em relação ao desenvolvimento da ciência e das tecnologias, podendo, pois, ser adquirido em outro lugar através de informações e conhecimentos mais rentáveis, esse mesmo conhecimento científico passa a circular na sociedade sob formas advindas da Escola, como as cartilhas: livro que ensina os primeiros rudimentos de leitura, mas também que contém rudimentos da doutrina cristã, diz o dicionário. Este trabalho como objetivo, a partir da perspectiva teórica da Análise de Discurso, compreender um dos modos de circulação da informação e do conhecimento em nossa sociedade, tomando como objeto de estudo as cartilhas enquanto um objeto histórico e discursivo. Como se dá a construção histórica e imaginária desse objeto e quais os efeitos-leitor que produz? Queremos, então, compreender essa migração de sentidos entre o discurso pedagógico e o discurso científico, os deslizamentos de sentidos aí produzidos, o modo como se dá o encontro de uma atualidade e uma memória, considerando as suas condições de produção, no espaço-tempo da urbanização. Na descrição e análise de funcionamentos linguístico-discursivos de um corpus formado por cartilhas de diferentes instituições, tendo referentes diversos, observamos um discurso pedagógico invertido, deslocado, reorganizado tornar-se dominante, criando condições para a emergência de novas formas de disciplinarização desse sujeito cidadão-consumidor, construindo novas formas de gestão do político nas práticas sociais, articulando de uma nova forma a relação Escola, Ciência, Sociedade. |