Resumo |
As chamadas óperas joco-sérias de Antônio José da Silva, O Judeu (1705-1739), tomadas tanto em sua literariedade, quanto em seus recursos cênicos de grande apelo visual, parecem atestar uma configuração de mundo a partir da constatação de que Mundus est Fabula: o mundo é uma fábula. Tal é a inscrição que se encontra no retrato do filósofo René Descartes, de cerca de 1647, de autoria de Jan Baptist Weenix. A expressão, de acordo com os estudos de Jean-Pierre Cavaillé, remeteria ao sistema científico-filosófico cartesiano, o qual, ainda que visando ao encontro de uma ciência verdadeira e antagônica tanto ao ceticismo barroco, quanto ao pensamento escolástico, parece não ter escapado ao estatuto de fábula do mundo. Nesse sentido, Cavaillé coloca a física cartesiana como circunscrita à teatralidade do mundo e, enquanto tal, não deixaria de se apresentar como o desvelamento mecânico de uma natureza já artificializada pela alegoria, por excelência, do Barroco. Deste modo, é dado indagar o que segue: se é possível vislumbrar uma relação clarividente entre a gnoseologia de Descartes e o rescaldo da Weltanschauung barroca, poder-se-ia, tendo em vista a produção dramatúrgica de Antônio José da Silva, enredar o arcabouço estético de uma composição retórico-dramática em simbiose com a técnica de engenhocas feitas de fios, roldanas e engrenagens, as chamadas tramoias, a uma perspectiva filosófica próxima ao mecanicismo cartesiano? Com o fito de responder a esta e a outras questões que venham a despontar no desenvolvimento de nossa argumentação, deter-nos-emos em especial na análise da peça Os Encantos de Medeia, encenada em 1735, em Lisboa, através de marionetes. A ópera joco-séria em questão é, provavelmente, dentre as de autoria dO Judeu, a que apresenta o maior número de efeitos visuais e mecânicos. Em nosso estudo recorremos a uma investigação em duas frentes, a saber, texto literário e texto cênico. |