Resumo |
O objetivo principal deste trabalho é discutir as relações de concordância entre antecedentes e a anáfora pronominal de primeira pessoa do plural no português brasileiro (PB) em que, de acordo com Menuzzi (2004), haveria um conflito entre condições semânticas e gramaticais, como ilustrado em i. A gente já {se/*nos} viu na TV; ii. A gente sempre confiou demais em {??si mesmos/?nós mesmos}; e iii. A gente tinha visto um bicho atrás de {nós/*si}. Os dados e as respectivas notações de gramaticalidade foram retirados de Menuzzi (2004) e, segundo o autor, refletem os julgamentos de professores e alunos de graduação de cursos de Letras da PUCRS e da UFRGS, todos porto-alegrenses. No texto citado, Menuzzi afirma que a forma pronominal a gente seria gramaticalmente especificada como terceira pessoa do singular (para chegar a tal conclusão o autor se apoia na concordância que essa forma pronominal, segundo ele, exige da forma verbal, levando o verbo para a terceira pessoa do singular), mas pode ser interpretada como se referindo a primeira pessoa do plural e, a partir dessa propriedade característica, juntamente com restrições de localidade, as (im)possibilidades em i, ii e iii seriam derivadas, retratando contextos de concordância entre formas semanticamente e/ou gramaticalmente incompatíveis (CORBETT, 1990). Partindo, então, da discussão apresentada em Menuzzi (2004), buscaremos, neste trabalho, defender que a forma pronominal a gente apresenta não só os traços semânticos de primeira pessoa e plural, como também os traços gramaticais de primeira pessoa e plural, e que a morfologia de concordância verbal de terceira pessoa, singular, exigida pela forma pronominal a gente (assunção que é empiricamente contestável se analisarmos dados linguísticos coletados em qualquer parte do Brasil) é também consequência da extensivamente estudada redução dos paradigmas flexionais no PB (MONTEIRO, 1994; DUARTE, 1996; KATO & ROBERTS, 1996; GALVES, 2001; entre outros). O enfraquecimento da morfologia de concordância no PB seria responsável pela possibilidade de contestar os julgamentos de gramaticalidade apresentados em i, ii e iii, a depender da região do Brasil em que eles sejam coletados, além de permitir alternâncias da forma anafórica de primeira pessoa do plural, como podemos observar em iv. Nós {nos/se} viu(vimos) na TV. Para subsidiar a análise, nos valeremos da Teoria da Vinculação de Chomsky (1981; 1986), inserida no quadro da Teoria de Princípios e Parâmetros e no seu desenvolvimento, o Programa Minimalista, centrando a discussão na composicionalidade de traços semânticos e gramaticais de formas pronominais do PB. |