Programação do 62º seminário do GEL

O objetivo desta comunicação é apresentar um levantamento das construções argumentativas identificadas em um corpus de escrita infantil. Este corpus já foi intensamente estudado no que diz respeito às construções argumentativas mais clássicas, do tipo X conectivo X, especialmente com conectivos como porque, então, mas e apesar de. Proponho agora dar continuidade a esse estudo, investigando construções que não envolvam encadeamentos argumentativos do tipo mencionado, mas construções com já, ainda, quase, só em enunciados que funcionam argumentativamente, assim como construções com pressuposição e modalização. O uso argumentativo de expressões nominais também será rastreado. Não se trata aqui de pensar a argumentação em termos retóricos, mas como parte do funcionamento linguístico-discursivo, na esteira do que propõe Ducrot nas diferentes versões da Teoria da Argumentação na Língua e particulamente no artigo “Argumentação retórica e argumentação linguística” (2009). No entanto, tampouco cabe descrever a linguagem da criança por comparação à linguagem do adulto, buscando naquela o espelho desta. Certamente, há muitas semelhanças entre elas, que por vezes fazem perder de vista as especificidades da linguagem infantil. Contudo, mesmo quando são as semelhanças que saltam aos olhos, as especificidades da fala e da escrita infantil se deixam ver na estruturação do seu texto, nas escolhas que conduzem seu dizer. O objetivo deste trabalho é compreender as especifidades por trás das semelhanças. Entendo que a argumentação na linguagem da criança tem estatuto diferente daquela que encontramos na linguagem do adulto, ainda que as mesmas estruturas linguísticas possam ser encontradas em ambas. Para observar essas diferenças e caracterizar o que ocorre na escrita da criança, é preciso considerar a imprevisibilidade e a heterogeneidade da linguagem que, para além de afetarem todo fato de língua e de discurso, são constitutivas da linguagem infantil. Os deslizamentos da língua têm como efeito enunciados insólitos que revelam sobre a linguagem da criança. Assim, entendendo a relação da criança com sua língua na trajetória que a move de infans a sujeito-falante como “mudanças de posição relativamente à fala do outro, à língua e, em consequência, em relação à sua própria fala” (C. Lemos, 2002, p.56), proponho dar continuidade à investigação da argumentação na escrita infantil identificando e descrevendo o uso, no referido corpus, de construções que, embora não sejam tipicamente descritas como argumentativas, podem ter um funcionamento argumentativo. Este levantamento terá como desdobramento, posteriormente, a formulação de uma explicação para o funcionamento da argumentação na escrita infantil.