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Programação do 63º seminário do GEL


63º SEMINáRIO DO GEL - 2015
Título: A discordância entre o “eu” e o mundo em Nove Noites, de Bernardo Carvalho
Autor(es): Fabrcia Aparecida Lopes de Oliveira Rocha, Ricardo Magalhaes Bulhoes. In: SEMINÁRIO DO GEL, 63 , 2015, Programação... São Paulo (SP): GEL, 2015. Acesso em: 05/05/2024
Palavra-chave Identidade, Bernardo Carvalho, Mal-estar na civilizao
Resumo

 

No romance Nove Noites (2002), o escritor brasileiro contemporâneo Bernardo Carvalho retoma uma das obsessões de sua obra: a questão da identidade do ser. Carvalho parte de um acontecimento real. Trata-se da história do antropólogo norte-americano Buell Quain. Ele veio para o Brasil estudar os indígenas daqui, mas acabou se suicidando em 1939, de forma violenta, no meio da floresta brasileira. No romance, por volta de 2001, 60 anos depois da tragédia, um jornalista toma conhecimento dos fatos por intermédio de um artigo de jornal e decide investigar as causas do suicídio. O texto intercala as impressões desse jornalista e de uma testemunha, Manoel Perna, que conviveu com o antropólogo na véspera da tragédia. Os dois narradores revelam o nível anormal de desajustamento social que acometeu o suicida e abordam também os possíveis motivos que o levaram a romper com a realidade definitivamente, de maneira tão violenta.

Na obra, essa postura radical de autodestruição (realmente vivenciada fora do ambiente ficcional) é observada no espaço irrestrito da arte, e Carvalho, por meio de suas escolhas textuais, personifica em Quain, uma profunda discussão sobre a situação do “eu” perante as exigências da civilização, tema abordado por Sigmund Freud (1856-1939) em um de seus ensaios mais conhecidos, O Mal-estar na civilização (1930/2010). Nesse sentido, com base nesse texto de Freud e mediante o estudo do ponto de vista na ficção, preconizado por Norman Friedman (2002), discutimos a crise de identidade que atingiu o protagonista suicida e, simultaneamente, pensamos a arte literária como espaço de representação das tensões existenciais do homem atual.

Assim, concluímos preliminarmente que o texto demonstra a fragilidade daquilo que nos é apresentado como real, além de representar o permanente confronto entre as necessidades do ser e as imposições do meio externo. O protagonista de Nove Noites, no caso, não conseguiu gerenciar as pressões impostas pela civilização e por isso tentou conter as dores da existência abandonando o real, literamente, pela morte, enquanto o narrador-jornalista do romance parece desejar fazê-lo reescrevendo-o, ou seja, ficcionalizando. Dessa forma, Carvalho nos apresenta, em uma linguagem bastante criativa, a arte como forma de enfrentamento perante um social que não contempla os anseios do sujeito. Por meio do uso da palavra, o autor parece indicar a possibilidade de um tempo e espaço nos quais seja possível uma vivência mais completa da individualidade do “eu”.